Naturalismo

Naturalismo é um estilo literário que influenciou a escrita de romances no século XIX. Historicamente, está vinculado aos desdobramentos das teorias darwinistas, expostas na obra A origem das espécies, de Charles Darwin (1809-1882), publicada em 1859. Dessa forma, a literatura desse período é considerada cientificista, pois seus autores amparam-se em teorias científicas para criar os personagens de seus livros.

Essa característica é o que diferencia as obras naturalistas das realistas, pois estas últimas não são estruturadas com base em teorias científicas. Os romances naturalistas, portanto, apresentam como principal característica o determinismo, conceito científico que afirma que o meio, a raça e o período histórico influenciam o caráter dos indivíduos. Isso era o que defendiam romancistas como o português Eça de Queiroz e o brasileiro Aluísio Azevedo.

Leia mais: Rachel de Queiroz – autora que retomou traços naturalistas em sua obra

Tópicos deste artigo

Contexto histórico do naturalismo

Capa do livro “Charles Darwin”, de Rebecca Stefoff, publicado pela editora Companhia das Letras. [1]
Capa do livro “Charles Darwin”, de Rebecca Stefoff, publicado pela editora Companhia das Letras. [1]

A publicação da obra A origem das espécies, de Charles Darwin, em 1859, revolucionou a ciência do século XIX, pois revelou que o ser humano, assim como outras espécies, em estado natural, é o produto de um processo de adaptação e consequente evolução natural. Essa descoberta abalou as bases do cristianismo, que defendia o criacionismo como explicação para a origem das espécies no planeta.

Dessa forma, a ciência e a racionalidade, que a caracteriza, ficaram em evidência e passaram a nortear a vida de artistas e intelectuais. Assim, o darwinismo deu força a correntes filosóficas como o positivismo, além de sofrer distorções, como é o caso do chamado “darwinismo social”, que justifica as práticas imperialistas e racistas ao defender a ideia de sobrevivência dos mais aptos, ou mais fortes, em prejuízo dos considerados menos aptos e, portanto, inferiores.

Nesse período, a Europa empreendia sua expansão imperialista na África, Ásia e Oceania, e a ciência era usada para entender e justificar as ações políticas. Dessa forma, o pensamento científico, em oposição ao pensamento religioso, era usado como instrumento de dominação e controle. Além disso, a ciência passou a ser vista como algo capaz de resolver todos os problemas de uma sociedade. Entretanto, assim como as religiões, ela também acabou cometendo equívocos.

Em tal contexto, as artes e a literatura também aderiram à “moda”, e seus autores passaram a utilizar teorias científicas na construção de suas obras. Isso implicava valorizar a racionalidade em detrimento da emoção e da religiosidade. Dessa maneira, os escritores naturalistas retratavam, em suas obras ficcionais, a sociedade e suas mazelas. Buscavam, assim, por meio de teorias consideradas científicas, entender seu funcionamento, e, ao apontar as causas de sua degeneração, esperavam que elas fossem combatidas.

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Características do naturalismo

  • Cientificismo: supervalorização da ciência e, portanto, dos métodos científicos.

  • Determinismo: o indivíduo (personagem) é influenciado pela raça a que pertence e pelo meio e o período histórico em que vive.

  • Biologismo: o comportamento dos personagens é resultado de motivações biológicas.

  • Zoomorfização: os personagens possuem características relacionadas a animais.

  • Tratado como animal, o ser humano (personagem) está à mercê dos instintos animais, predominantemente o sexual.

  • O comportamento de personagens representantes da classe baixa é analisado com base em teorias pseudocientíficas.

  • A visão preconceituosa em relação a mulheres, pessoas negras e homossexuais é amparada pelas equivocadas teorias científicas da época:

  • Histeria feminina.

  • Patologização da homossexualidade.

  • Inferiorização de pessoas negras.

Veja também: Surrealismo – vanguarda europeia do início do século XX

Autores do naturalismo

Émile Zola foi o primeiro autor que inseriu o cientificismo na literatura.
Émile Zola foi o primeiro autor que inseriu o cientificismo na literatura.
  • Émile Zola (1840-1902) — francês

  • Guy de Maupassant (1850-1893) — francês

  • Arthur Schnitzler (1862-1931) — austríaco

  • Gerhart Hauptmann (1862-1946) — alemão

  • Stephen Crane (1871-1900) — estado-unidense

  • Thomas Hardy (1840-1928) — inglês

  • Eça de Queiroz (1845-1900) — português

  • Fialho de Almeida (1857-1911) — português

  • Aluísio Azevedo (1857-1913) — brasileiro

  • Adolfo Caminha (1867-1897) — brasileiro

  • Raul Pompeia (1863-1895) — brasileiro

  • Júlia Lopes de Almeida (1862-1934) — brasileira

  • Júlio Ribeiro (1845-1890) — brasileiro

  • Lourenço Ferreira Leal (1850-1914) — brasileiro

Naturalismo no Brasil

Capa do livro “O cortiço”, de Aluísio Azevedo, publicado pela editora BestBolso, do grupo editorial Record. [2]
Capa do livro “O cortiço”, de Aluísio Azevedo, publicado pela editora BestBolso, do grupo editorial Record. [2]

O naturalismo, estilo de época surgido na Europa, foi inaugurado no Brasil com a publicação do romance O mulato, de Aluísio Azevedo. Ele faz parte da trilogia naturalista do autor:

  • O mulato (1881)

  • Casa de pensão (1884)

  • O cortiço (1890)

Todas essas obras estão fundamentadas na teoria determinista, sendo que O mulato está vinculado à influência da raça (mas inova ao falar de preconceito racial); Casa de pensão, à influência do meio; e O cortiço, a obra mais significativa do período, à influência do meio e da raça, além de recorrer à zoomorfização.

O Cortiço também trabalha a temática homossexual por meio do personagem Albino, além de Léonie e Pombinha. No entanto, a obra que, pela primeira vez, traz esse tema como elemento central do enredo é Bom-crioulo (1895), de Adolfo Caminha. Nesse livro, a raça (Amaro é um personagem negro) e o meio (Aleixo é corrompido pelo ambiente da Marinha) são considerados responsáveis pela tendência homossexual dos personagens. É claro que a temática, devido à época, é tratada com base em preconceitos e condenação.

Na obra O Ateneu (1888), de Raul Pompeia, o meio corruptor de um colégio interno masculino é criticado e condenado pelo narrador. Já no livro A falência (1901), de Júlia Lopes de Almeida, autora que transita entre realismo e naturalismo, é possível localizar traços do determinismo, como a influência da raça. No mais, também podemos citar o livro A carne (1888), de Júlio Ribeiro, e Um homem gasto (1885), de L. L., pseudônimo do escritor Lourenço Ferreira Leal.

Veja mais: Modernismo – movimento artístico-literário que visava romper com os padrões

Diferença entre naturalismo e realismo

Em 1856, o escritor francês Gustave Flaubert (1821-1880) publicou Madame Bovary, romance inaugural do realismo europeu. Na época, a obra gerou polêmica e um processo judicial para o seu autor. Como características do estilo, é possível apontar:

  • a objetividade

  • o antirromantismo

  • críticas à religião, ao Estado e à família burguesa

Por isso obras realistas, quase sempre, apresentam o adultério feminino, em oposição à idealização do amor romântico.

O naturalismo, portanto, também é realista, de forma que pode apresentar as características citadas no parágrafo anterior. Assim, o que vai diferenciar o naturalismo do realismo é o cientificismo. Queremos dizer, com isso, que os autores do realismo não recorrem a teorias científicas na estruturação de suas obras.

Nessa perspectiva, o único escritor realista brasileiro é Machado de Assis (1839-1908). Esse autor, no início de sua carreira literária, era filiado ao romantismo, mas foi o responsável por inaugurar o realismo no Brasil com sua obra Memórias póstumas de Brás Cubas (1881).

Exercícios resolvidos

Questão 1 – (Enem)

Abatidos pelo fadinho harmonioso e nostálgico dos desterrados, iam todos, até mesmo os brasileiros, se concentrando e caindo em tristeza; mas, de repente, o cavaquinho de Porfiro, acompanhado pelo violão do Firmo, romperam vibrantemente com um chorado baiano. Nada mais que os primeiros acordes da música crioula para que o sangue de toda aquela gente despertasse logo, como se alguém lhe fustigasse o corpo com urtigas bravas. E seguiram-se outras notas, e outras, cada vez mais ardentes e mais delirantes. Já não eram dois instrumentos que soavam, eram lúbricos gemidos e suspiros soltos em torrente, a correrem serpenteando, como cobras numa floresta incendiada; eram ais convulsos, chorados em frenesi de amor: música feita de beijos e soluços gostosos; carícia de fera, carícia de doer, fazendo estalar de gozo.

AZEVEDO, A. O cortiço. São Paulo: Ática, 1983 (fragmento).

No romance O cortiço (1890), de Aluísio Azevedo, as personagens são observadas como elementos coletivos caracterizados por condicionantes de origem social, sexo e etnia. Na passagem transcrita, o confronto entre brasileiros e portugueses revela prevalência do elemento brasileiro, pois

A) destaca o nome de personagens brasileiras e omite o de personagens portuguesas.

B) exalta a força do cenário natural brasileiro e considera o do português inexpressivo.

C) mostra o poder envolvente da música brasileira, que cala o fado português.

D) destaca o sentimentalismo brasileiro, contrário à tristeza dos portugueses.

E) atribui aos brasileiros uma habilidade maior com instrumentos musicais.

Resolução

Alternativa C. A prevalência do elemento brasileiro é indicada pela mudança de humor dos personagens, que deixam a tristeza inspirada pelo fado português para entregarem-se à agitação da música brasileira.

Questão 2 – (Enem)

Um dia, meu pai tomou-me pela mão, minha mãe beijou-me a testa, molhando-me de lágrimas os cabelos e eu parti.

Duas vezes fora visitar o Ateneu antes da minha instalação.

Ateneu era o grande colégio da época. Afamado por um sistema de nutrido reclame, mantido por um diretor que de tempos a tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente de novidade, como os negociantes que liquidam para recomeçar com artigos de última remessa; o Ateneu desde muito tinha consolidado crédito na preferência dos pais, sem levar em conta a simpatia da meninada, a cercar de aclamações o bombo vistoso dos anúncios.

O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do Norte, enchia o império com o seu renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda pelas províncias, conferências em diversos pontos da cidade, a pedidos, à substância, atochando a imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo, de livros elementares, fabricados às pressas com o ofegante e esbaforido concurso de professores prudentemente anônimos, caixões e mais caixões de volumes cartonados em Leipzig, inundando as escolas públicas de toda a parte com a sua invasão de capas azuis, róseas, amarelas, em que o nome de Aristarco, inteiro e sonoro, oferecia-se ao pasmo venerador dos esfaimados de alfabeto dos confins da pátria. Os lugares que os não procuravam eram um belo dia surpreendidos pela enchente, gratuita, espontânea, irresistível! E não havia senão aceitar a farinha daquela marca para o pão do espírito.

POMPEIA, R. O Ateneu. São Paulo: Scipione, 2005.

Ao descrever o Ateneu e as atitudes de seu diretor, o narrador revela um olhar sobre a inserção social do colégio demarcado pela

A) ideologia mercantil da educação, repercutida nas vaidades pessoais.

B) interferência afetiva das famílias, determinantes no processo educacional.

C) produção pioneira de material didático, responsável pela facilitação do ensino.

D) ampliação do acesso à educação, com a negociação dos custos escolares.

E) cumplicidade entre educadores e famílias, unidos pelo interesse comum do avanço social.

Resolução

Alternativa A. A ideologia mercantil da educação está evidenciada neste trecho: “Eram boletins de propaganda pelas províncias, conferências em diversos pontos da cidade, a pedidos, à substância, atochando a imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo, de livros elementares, fabricados às pressas com o ofegante e esbaforido concurso de professores prudentemente anônimos, [...]”. Livros que davam renome “de pedagogo” ao personagem Aristarco, “da conhecida família do Visconde de Ramos”.

Crédito das imagens

[1] Companhia das Letras (reprodução)

[2] Editora Record (reprodução) 

Por: Warley Souza

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