Graciliano Ramos

Graciliano Ramos — o mestre prosador da geração de 30
Graciliano Ramos — o mestre prosador da geração de 30

Falar sobre esse grande mestre é, sem dúvida, uma grande honra. Mas antes disso, é preciso voltar um pouco na história, com vistas a compreender o contexto histórico-político que norteou o cenário nacional da época de 1930. Refere-se, pois, à segunda geração modernista.

Dessa forma, houve a primeira geração, cujo foco esteve voltado para o resgate de uma literatura autenticamente nacionalista, mas longe de ser comparada àquela manifestada na era romântica, ainda que a ideologia fosse a mesma. O fato é que, enquanto para os românticos a forma de se manifestar se pautava pelo instinto egocêntrico, as ideias pregadas pelo Modernismo se revelaram por deixar claro o sentimento de que era necessário revelar as faces ocultas do panorama brasileiro.

E foi assim que fizeram os representantes da geração de 30, segunda geração modernista, cuja preocupação foi um pouco além, no sentido de fazer uma arte voltada, única e simplesmente, para as questões sociais. Para tanto, o regionalismo, sobretudo aquele focalizado na região nordestina, revelou-se como a palavra de ordem do momento em questão. Prova disso é que a maioria dos representantes de tal geração era do Nordeste, tais como o autor do qual falamos (Graciliano), Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Jorge Amado e José Américo de Almeida.

Norteado por tais instintos ideológicos, Graciliano Ramos foi considerado um autêntico prosador regionalista, visto que, diferentemente dos demais representantes, ele imprimiu a todos os discursos que criou, digamos assim, a cara do Nordeste brasileiro, enfatizando não só a problemática do homem como produto do meio em que vive, mas, sobretudo, a luta desse homem na tentativa de compreender a si mesmo, bem como às questões voltadas para o meio no qual vive.

Em um de seus célebres romances, Vidas Secas, o autor, de uma forma irreverente e irônica, pontua de forma magistral essas questões, criando personagens cujos nomes atuam como uma espécie de “aberração”, tudo em nome da própria intenção, obviamente. Observe um trecho referente à obra em questão e constate algumas evidências:   

“A cachorra Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o pêlo caíra em vários pontos, as costelas avultavam num fundo róseo, onde manchas escuras supuravam e sangravam, cobertas de moscas. As chagas da boca e a inchação dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida. (...) Então Fabiano resolveu matá-la. Foi buscar a espingarda de pederneira, lixou-a, limpou-a com o saca-trapo e fez tenção de carregá-la bem para a cachorra não sofrer muito. Sinhá Vitória fechou-se na camarinha, rebocando os meninos assustados, que adivinhavam desgraça e não se cansavam de repetir a mesma pergunta: – Vão bulir com a Baleia? (...) Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme.”   
             Trecho extraído do romance “Vidas Secas”.  

Observe os nomes que o autor deu aos personagens: “Baleia”, “Sinhá Vitória”, bem como a identidade que deu aos filhos de Fabiano, um dos protagonistas, revelada simplesmente pelo “filho mais novo” e “filho mais velho”. Ou seja, tais passagens não podem ser concebidas como meras expressões do autor, haja vista que carecem de uma análise mais profunda, no sentido de atestar que tudo se dera mediante um intuito. O fato de os filhos nem nome terem revela a falta de identidade, a busca incessante do próprio “eu”, sobrevivente em meio a uma sociedade injusta, desigual. Ao final do trecho, quando esse revela a morte de Baleia, a cachorra da família, podemos inferir que o fato de ela acordar num mundo cheio de preás, metaforicamente representa a vida daquela gente retirante, que também cultuava um sonho de dias melhores.

Cabe ainda ressaltar que esse questionamento que os personagens de Graciliano fazem a si mesmos é fruto de uma corrente ideológica dos representantes modernistas da geração de 30, que, além de enfatizarem as questões sociais, ainda exploraram o lado psicológico, atuando como uma sondagem do lado interior.

Munidos de tais postulados, cabe-nos agora conhecer um pouco mais da vida desse grande representante do cenário artístico nacional. Logo, eis alguns detalhes biográficos:

Graciliano Ramos nasceu em Quebrângulo, Alagoas, em 1892. Com apenas dois anos de idade se mudou com a família para a Fazenda Pintadinho, em Buíque, sertão pernambucano, onde lá permaneceu até 1899.

Mudando-se para Viçosa, situada em seu estado natal, nem mesmo as paisagens locais, visto se localizar em plena Zona da Mata, fizeram-no esquecer-se daquilo que presenciara na infância: a passagem de grupos de imigrantes famintos que escapavam da terrível seca demarcada pela região nordestina. Talvez esteja aí o sentimento que tanto o fez se revelar em todas as obras que criara.

Em 1905, mudou-se para Maceió, onde permaneceu por apenas um ano, estudando no Colégio Quinze de Março. Fez o segundo grau, embora não tenha frequentado  nenhum curso superior. Fixando-se em Palmeiras dos Índios, ingressou na carreira jornalística e política, chegando até a ser prefeito da cidade. Retornando para Maceió, em 1933, teve o privilégio de conhecer Rachel de Queiroz, José Lins do Rego e Jorge Amado. Em 1936, às vésperas da decretação do Estado Novo, foi preso sob a acusação de ser subversivo. Dessa forma, vivendo de presídio em presídio, foi submetido a constrangimentos de toda ordem, tanto físicos quanto morais, que foram relatados em seu “Memórias do Cárcere”.

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Depois de liberto, foi viver no Rio de Janeiro, e em 1945 se filiou ao Partido Comunista, vindo a falecer, vitimado por um câncer, em 1953, naquela mesma cidade.

Como produções artísticas, além da já citada Vidas Secas, outras se sobressaíram, tais como: Caetés (1933); São Bernardo (1934); Angústia (1936); Insônia (1947); Infância (1945); Memórias do Cárcere (1953).

Por: Vânia Maria do Nascimento Duarte

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