Lei Eusébio de Queirós

A Lei Eusébio de Queirós, proposta pelo ministro da Justiça que deu nome a ela, foi aprovada em setembro de 1850, determinando que o tráfico de africanos escravizados estava proibido no Brasil a partir de então. Por meio dela, o tráfico negreiro perdeu força, sendo extinto oficialmente a partir de 1856. Os ingleses tiveram papel importante na aprovação dessa lei.

Acesse também: O lento processo de abolição da escravidão no Brasil

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Contexto

O tráfico negreiro era uma das principais atividades econômicas no Brasil do começo do século XIX e estava em vigor desde o século XVI. A escravização de africanos era uma prática comum no país, mas, a partir do XIX, essa instituição começou a ser questionada, principalmente no exterior. O primeiro alvo desse questionamento foi o tráfico de africanos.

O Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, era o principal local de desembarque de africanos trazidos pelos navios negreiros.[1]
O Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, era o principal local de desembarque de africanos trazidos pelos navios negreiros.[1]

No começo do século XIX, a Inglaterra começou a atuar para que o tráfico de escravos tivesse fim. A ação inglesa era inspirada por uma mistura de ideias humanistas com interesses econômicos, e, no contexto brasileiro, as primeiras iniciativas foram tomadas durante o Período Joanino. O regente de Portugal, d. João (tornou-se rei em 1816), tinha assumido um compromisso para acabar com o tráfico negreiro em acordo assinado em 1810.

Entre 1810 e 1812, os ingleses impediram várias embarcações negreiras de trazerem africanos escravizados para o Brasil, mas acordos diplomáticos fizeram-nos recuarem. A partir de 1815, os ingleses realizaram um acordo com o Brasil em que ficou decidido que o tráfico negreiro só seria permitido ao sul da Linha do Equador.

Por fim, em 1817, os portugueses aceitaram que os ingleses monitorassem o Oceano Atlântico e apreendessem navios negreiros que estivessem em alto-mar. Essas ações demonstram que, cada vez mais, os ingleses iam fechando o cerco sobre o tráfico negreiro. Após a independência, o governo brasileiro tentou abrir mão desses acordos, uma vez que eles foram feitos entre Inglaterra e Portugal, mas os ingleses não aceitaram.

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A Inglaterra condicionou o reconhecimento da independência brasileira e seu papel de mediador entre Brasil e Portugal com a promessa de que o tráfico negreiro seria proibido no Brasil. Assim, em 1826, foi realizado um acordo entre Brasil e Inglaterra, no qual o nosso país se comprometia a proibir o tráfico negreiro em até três anos.

Esse acordo entrou em vigor após a sua ratificação, em 1827, e uma lei em cumprimento a ele só foi aprovada quando o prazo de três anos já havia expirado. Com esse acordo, os ingleses ainda tinham o direito de aprisionar embarcações negreiras em alto-mar e sua validade estendia-se até março de 1845.

Em resposta ao acordo ratificado em 1827, foi elaborada a Lei Feijó. Essa lei decretava o fim do tráfico negreiro e anunciava que todos os africanos que entrassem no país após a sua aprovação seriam considerados livres. Ela foi promulgada em 7 de novembro de 1831.

O anúncio da Lei Feijó foi acompanhado pelo fechamento do Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, local que era o principal ponto de desembarque de africanos escravizados no Brasil. Estima-se que o Valongo tenham recebido cerca de um milhão de africanos entre 1774 e 1831, período em que esteve em atividade|1|.

A lei de 1831 foi regulamentada no ano seguinte, e o ano de 1832 ficou marcado por uma redução no número de africanos trazidos para o Brasil. Entretanto, a falta de fiscalização fez com que o tráfico negreiro recuperasse sua força a partir de 1833. Não houve nenhum tipo de mobilização das autoridades para fazer a lei valer, e a realidade era que, mesmo sendo proibido o desembarque de africanos no Brasil, eles continuavam chegando aos milhares todos os anos.

Ao invés de implantar medidas para fazer com que a lei fosse respeitada, as ações foram tomadas para tentar revogar a lei de 1831. Em 1837, o marquês de Barbacena propôs a revogação da Lei Feijó, mas seu projeto não foi aprovado. Via-se, portanto, que não havia interesse em acabar com o tráfico negreiro, e os números não mentem: entre 1831 e 1845, quase meio milhão de africanos foram trazidos ilegalmente para o Brasil.

Acesse também: O movimento abolicionista era de elite ou popular?

Bill Aberdeen

George Hamilton Gordon, o Lorde Aberdeen, foi o responsável por elaborar o Bill Aberdeen.
George Hamilton Gordon, o Lorde Aberdeen, foi o responsável por elaborar o Bill Aberdeen.

Na década de 1840, a insatisfação inglesa com o Brasil era grande. As autoridades brasileiras não se esforçavam para acabar com o tráfico negreiro, e as ações inglesas de monitorar o Oceano Atlântico traziam pouco retorno. Estudos ingleses indicavam que essas ações de monitoramento tinham resgatado apenas 2,8% dos africanos que estavam em navios negreiros|2|.

A gota d’água para a paciência inglesa deu-se com a demonstração brasileira em não querer renovar o acordo de 1826, que estava para vencer em março de 1845. Com isso, os ingleses perdiam o direito de monitorar as embarcações que vinham em direção ao Brasil. Assim, as autoridades inglesas, representadas pelo Lorde Aberdeen, resolveram encurralar o Brasil.

Lorde Aberdeen, chamado George Hamilton Gordon, propôs ao Parlamento inglês o Slave Trade Supression Act ou Bill Aberdeen — essa lei dava autorização para que a marinha britânica monitorasse o Oceano Atlântico à procura de navios negreiros. Os ingleses também autorizavam a invasão de águas territoriais na caçada aos navios negreiros, e os traficantes seriam levados para a Inglaterra e julgados por atos de pirataria.

O Bill Aberdeen foi aprovado na Inglaterra em 9 de agosto de 1845 e gerou protestos no Brasil. Os ingleses foram acusados de agir contra a soberania brasileira, e muitos até incentivaram uma declaração de guerra contra eles.

A existência do tráfico negreiro tornou-se um problema. Ela colocava o Brasil em ameaça de guerra contra a Inglaterra e colocava em risco a soberania brasileira porque os ingleses davam-se o direito de invadir território brasileiro para aprisionar os navios negreiros. Por fim, a manutenção do tráfico trazia prejuízos à imagem internacional do Brasil.

Acesse também: Peculiaridades da escravidão no Brasil

Abolição do tráfico

A Lei Eusébio de Queirós aboliu o tráfico negreiro, mas os africanos que entraram ilegalmente no Brasil após 1831 foram mantidos como escravos.
A Lei Eusébio de Queirós aboliu o tráfico negreiro, mas os africanos que entraram ilegalmente no Brasil após 1831 foram mantidos como escravos.

Apesar das discordâncias com a Inglaterra, o governo brasileiro precisou ceder. O clima político mudou e a elite escravocrata decidiu abrir mão do tráfico negreiro em troca de que os africanos que entraram ilegalmente no país a partir de 1831 fossem mantidos como escravos. Foi aí que apareceu o ministro da Justiça do Brasil.

Eusébio de Queirós ocupava o posto de ministro da Justiça e era uma figura problemática. Ele mesmo fez vistas grossas para o tráfico de escravos nas décadas de 1830 e 1840, quando chefe de polícia no Rio de Janeiro, mas, em 1850, enquanto ministro, foi o propositor da lei que acabou com essa atividade no Brasil.

Essa lei foi aprovada em 4 de setembro de 1850 como Lei nº 581, mais conhecida como Lei Eusébio de Queirós. Ela tratava de reprimir o tráfico negreiro, e, diferentemente do que aconteceu em 1831, o tráfico foi duramente reprimido a partir de 1850. O litoral e os portos eram monitorados e o comércio interprovincial de escravos passava por vistoria para impedir que escravos ilegais fossem levados de uma província a outra.

Essa lei fez com que o tráfico deixasse de existir oficialmente em 1856. Nesse ano, a última embarcação negreira foi apreendida pelas autoridades.

Notas

|1| SOARES, Carlos Eugênio Líbano. Valongo. In.: SCHWARCZ, Lilia Moritz e GOMES, Flávio (orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 420.

|2| MAMIGONIAN, Beatriz G. Africanos livres: a abolição do tráfico de escravos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

Créditos da imagem

[1] Lucas_Motta e Shutterstock

Por: Daniel Neves Silva

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